março 19, 2014

Celeste Caeiro: A flor que deu o nome à Revolução

D. Celeste 
"No dia 25 de Abril de 1974, o restaurante onde eu trabalhava festejava o seu primeiro aniversário", relembrava D. Celeste. "Como os patrões queriam fazer uma festa, o gerente foi até ao Mercado da Ribeira no dia anterior para comprar flores. Podia ter comprado rosas, mas não. Comprou cravos".

Este é o início de uma das histórias mais bonitas da nossa Revolução que, por mero acaso, tornou-se num símbolo de esperança, paz e amizade, hoje acarinhado por todos os portugueses.

Escutada com atenção pelos curiosos alunos , D. Celeste continuou:

“No dia 25 de Abril desse ano, como era habitual, apanhei o transporte para a Rua Braamcamp, a rua do restaurante. A casa nesse dia não abriu. Dizia o gerente que não sabia o que estava a acontecer, talvez um golpe de Estado e que, por ser perigoso, ninguém saía.

- Vão para casa, mas antes, passem pelo restaurante para buscar as flores.  É uma pena ficarem ali e murcharem, pediu o dono.

E assim foi. Juntas, a D. Celeste e a sua colega Conceição foram até ao armazém, apanharam um molhinho de cravos brancos e vermelhos, colocaram-no debaixo do braço e saíram.

Indignada com este aparato, D. Celeste pensou para si mesma: “ Está a dar-se uma revolução e eu vou para casa?”. Apanhou o metro para o Rossio e dirigiu-se ao Chiado onde se cruzou imediatamente com as chaimites das Forças Armadas.

- O que é que se passa?, perguntou a D. Celeste quando se aproximou de um dos tanques.
- Nós vamos a caminho do Quartel do Carmo para fazer render o Governo , respondeu-lhe o soldado. 
- Então, e já estão aqui há muito tempo?, voltou a interpelar.
Estamos desde as duas ou três horas da manhã. E o militar pede-lhe um cigarro.

D. Celeste, que já tinha trabalhado numa Tabacaria, sabia perfeitamente a sensação de querer fumar um cigarro. Triste por não ter nenhum consigo, apesar de não fumar, respondeu-lhe:

- Não tenho nenhum cigarro, mas tenho um cravinho, estendendo-lhe a flor, que o soldado colocou cuidadosamente no cano da sua espingarda.

Foi o primeiro.

D. Celeste foi distribuindo os cravos pelos militares que encontrava pelo caminho até à Igreja dos Mártires, espalhando assim, na sua ingenuidade de menina, a cor vermelha de Abril por Lisboa.

Chegou a casa. A sua mãe, preocupada, perguntou-lhe o que estava a fazer na rua. D. Celeste foi até janela e mostrou-lhe como lindas ficaram as ruas com os seus cravos.

Também este ano, a história que acabaste de ler comemora os seus 40 anos. 40 anos de confiança entre o movimento militar e os desejos do povo português para derrubar o regime fascista. Mas mais importante, é que foi graças ao simples mas grandioso acto de D. Celeste que, ao oferecer as flores aos militares, impediu as espingardas de disparar, transformando o cravo vermelho numa palavra de ordem visual, expressão da vontade popular pela revolução pacífica, a Revolução dos Cravos.




março 17, 2014

Celeste em flor nos canteiros da Mouradia

A mulher que transformou a Revolução de 1974 na mais linda Revolução do mundo esteve no dia 10 de Março na Mouradia - Casa Comunitária da Mouraria para contar à pequenada da Escola Básica da Madalena como foi que, a partir de um gesto seu, Lisboa se encheu de cravos no dia 25 de Abril de 1974.

Chama-se Celeste Caeiro e tem agora 80 anos. Curiosos, os meninos fizeram-lhe perguntas - "Por que é que não é famosa?", "Tinha filhos na altura?", "Não teve medo dos militares?", "Acha que contribuiu para que a revolução não tivesse tiros?" -  plantaram pézinhos de cravos nos novos canteiros do Beco do Rosendo e, ao som das musicas infantis de José Barata Moura, enquanto uns saboreavam um lanchinho oferecido pelo Pingo Doce outros tiravam fotografias como se fossem militares de Abril!

Com a D. Celeste veio também um poema em sua homenagem escrito em 1999 pela poetiza alentejana Rosa Guerreiro Dias. A professora Filomena leu-o num emocionante momento aplaudido por todos. 
Conheces estes versos?

D. Celeste: o Cravo de Abril










Plantando os cravos de Abril nos canteiros da Mouradia



Celeste em Flor

Tu foste de palmo e meio
De voz doce e olhar brilhante.
Falas hoje sem receio
Desse momento importante.

Foste o vaso, foste a terra
Onde o craveiro aflorou.
E assim amainaste a guerra,
A guerra que não sangrou. 

Com um molho de cravos na mão
Andaste p’la Baixa à toa
Sem saber da revolução
Que se passava em Lisboa.

À Rua do Carmo chegaste,
Viste soldados armados.
Mas tu não te atrapalhaste
Deste Cravos Encarnados.

Deste um cravo a cada mão
Mais nada tinhas p’ra dar
E o tropa com emoção
Na espingarda o foi espetar.

Com este gesto, mulher
Trouxeste ao país Glória.
Não és uma mulher qualquer
Nem qualquer uma entra p’rá História.


És somente portuguesa
Uma mulher em tantas mil
Mas irás ser com certeza
Mulher dos cravos de Abril.


Para ti Celeste em flor,
Esta pequena homenagem feita por
uma poetisa popular alentejana.

Rosa Guerreiro Dias
25 de Abril de 1999


Lembranças de uma prisão: Visita ao Forte de Peniche

Sexta-feira, 7 de Março de 2014:

Chegamos a Peniche por volta das 11h30. Nada como terminar a semana com uma visita de estudo a uma cidade cuja riqueza natural se confunde com a sua longa História de aventuras e peripécias que se perpetuaram durante longos séculos até aos nossos dias.

Entrada para a Fortaleza de Peniche, prisão política durante o Estado Novo
Na cidade destaca-se a Fortaleza de Peniche, edificada em 1557 por D. João III e concluída em 1645 no reinado de D.João IV, que tem visto o seu espaço ser aproveitado de forma distinta, consoante as adversidades históricas de cada época. Se em 1897 era utilizado como praça militar estratégica, no início do século seguinte servia de abrigo a refugiados provenientes da África do Sul e até mesmo como residência de prisioneiros alemães e austríacos durante a I Guerra Mundial. Anos mais tarde, com a implantação da ditadura do Estado Novo, adoptou um carácter de prisão política, enclausurando sobretudo presos políticos.

Após a Revolução de Abril de 1974, algumas famílias portuguesas que regressavam das colónias ultramarinas viram na Fortaleza o primeiro alojamento. Dez anos depois, passou a acolher o Museu Municipal, instituição fundamental para compreender a história não só do concelho mas sobretudo do nosso país.

Entramos no Museu e somos recebidos por Raquel, que nos apresentou de uma forma muito clara o roteiro e as colecções que iríamos visitar! 

O primeiro piso estava reservado para o Núcleo Histórico-Etnográfico, Pré-História, Arqueologia Subaquática, Pescas e Construção Naval e incluía a exposição da famosa e incomparável Renda de Bilros. No segundo piso, encontrámos o Núcleo do Arquitecto Paulino Montês, natural de Peniche, cuja obra demonstrou-se singular no seio cultural durante o Estado Novo.

Os últimos degraus da escada levaram-nos ao terceiro Núcleo: o da Resistência Antifascista. A colecção exposta no antigo Pavilhão “C” da prisão política testemunha a utilização da Fortaleza como prisão onde, submetidos a horrendas torturas, os reclusos eram mantidos durante meses e até mesmo anos.

Contudo, o Forte de Peniche, considerado uma das prisões mais controladas do Estado Novo, conta-nos também um episódio extraordinário e memorável de fuga! No dia 3 de Janeiro de 1960, o antigo Secretário-Geral do Partido Comunista Português Álvaro Cunhal juntamente com mais nove presos, ajudados pela compaixão de um guarda-republicano, conseguiram descer para o exterior com uma corda feita de lençóis!

Tentar fugir das cadeias fascistas era uma tarefa árdua e praticamente impossível, pois o total isolamento exterior e interior entre as salas (como a cela do Álvaro Cunhal) impedia que os prisioneiros pudessem organizar entre si qualquer tipo de acção. Muitos foram apanhados e regressam à prisão, outros enviados para o Campo de Concentração do Tarrafal, outros desapareceram.

Porém, o esforço unia-se à resistência e os nossos combatentes pela liberdade, ao conseguirem escapar-se das garras da PIDE, mostravam ao povo as fragilidades de uma ditadura que iria ver o seu fim no dia 25 de Abril de 1974!